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2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS

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Mensagem por Henry Evaristo Sex 17 Jul 2009 - 11:31

Amigos, eis a imagem vencedora de nossa eleição para este exercício. O mesmo está no ar e espera receber vossos trabalhos nos proximos 15 dias. Mãos à obra!

2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS Thehaunterofthedark
Henry Evaristo
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Mensagem por Flávio de Souza Seg 20 Jul 2009 - 10:14

O CAÇADOR


Lá fora a tempestade desabava pesada e sem piedade daqueles que foram pegos de surpresa. Os poucos minutos que se passaram desde que as primeiras gotas surgiram se mostraram mais do que suficientes para tornar em rio a alameda estreita de paralelepípedos que margeava os limites daquele velho sobrado. A fúria da tormenta parecia querer lavar e purificar o ambiente, como alguém que prepara a casa para receber uma visita desejada. A noite que havia começado estranhamente escura antes da chuva, tornara-se um completo mar de trevas depois dela, sendo acentuada pela usual falta de energia elétrica que costuma surgir em situações desse tipo. Dentro da residência parecia que as trevas eram ainda mais intensas do que lá fora, apenas uma tímida chama bruxuleava oriunda de um desgastado toco parafinado. Toda a mobília daquele cômodo de dimensões reduzidas se resumia a uma cadeira e uma mesa, ambas insinuavam as marcas do tempo, exalavam um odor nauseante de mofo e decomposição, o velho que fazia uso dos móveis não aparentava melhores condições, a pele de seu rosto apresentava profundos sulcos e irregularidades. Enormes olheiras denunciavam noites mal dormidas, no entanto o homem não demonstrava sinais de cansaço, pelo contrário, parecia eufórico como se estivesse prestes a realizar um grande feito. Sua atenção estava totalmente voltada para o curioso artefato depositado sobre a mesa, um livro cuja aparência deixava a mobília com aspecto de recém saída da marcenaria. Sob uma avaliação mais precisa, seria possível jurar que a capa do livro em um tempo remoto já revestira o corpo de alguém. Símbolos de um idioma esquecido preenchiam as páginas amareladas e gastas, nada significariam para uma pessoa comum, mas ele estava bem longe disso, não havia segredos nesses assuntos que ele não desvendasse. As lacunas que se abriam entre as palavras do texto formavam um bizarro jogo de palavras cruzadas que era preenchido sem hesitação pelo homem. Não fazia uso de uma tinta comum na pena, traçava suas linhas com o sangue roubado da jovem que jazia no inicio da escadaria, era imprescindível que houvesse um pagamento pela dádiva que esperava receber, uma vida seria pouco, tiraria duas, dez, mil se fosse preciso, apenas o seu objetivo importava agora, nada mais. Afinal, quando o Caçador chegasse, e ele chegaria, não haveria limites para a sua fome, a carne e o sangue dos viventes ainda seria pouco, não haveria mais escuridão porque a luz seria apenas uma vaga lembrança na alma dos atormentados, a distinção que as torna irmãs não mais existiria, e o mundo passaria a apresentar uma invariável atmosfera melancólica e previsível, mergulhada em uma repetição de tormento e danação. Ele vislumbrara esta realidade e desejava ser parte ativa desta nova ordem, temia servir de gado para a horda caso um outro percebesse a chance que agora estava diante de si. Uma última lacuna, os derradeiros riscos com o escarlate pecaminoso, a senha para a comunhão entre os dois mundos. A gota que exerceu o papel de ponto final, imperceptivelmente sinalizou para que o ar gelado da noite iniciasse uma movimentação ritmada e ruidosa. As rajadas do vento executavam uma sinfonia cujo maestro seria o próprio senhor das terras esquecidas. Quem olhasse pela fresta da janela se surpreenderia com a materialização gelatinosa e levemente transparente que indicava o surgimento do Caçador. Nenhum vestígio de felicidade, nenhuma sombra de um bom pensamento, nada disso poderia coexistir com aquela criatura. A massa, disforme no inicio, começou a encorpar imediatamente a medida que partículas dos sentimentos vis da humanidade, que estavam suspensas no ar, se identificaram e se uniram à essência que a compunha. A nuvem fétida se movimentava lentamente enquanto os contornos iniciais da criatura deixavam claro que o caminho era sem volta, o ato definitivo estava na iminência de se concretizar.
Uma cabeça enorme, ornada com chifres que se deslocavam incessantemente, venceu os domínios do sobrado, as fileiras de dentes retorcidos e afiados destacavam-se na mandíbula escancarada, seriam a parte mais chamativa do semblante hediondo do ser, se não fossem as órbitas gigantescas e amareladas que se projetavam como dois pequenos sóis trazendo uma luminosidade intensa e mórbida ao interior do pequeno cômodo. Seu longo pescoço terminava em um corpo revestido por placas duras e escamosas, de onde inúmeras garras longas e negras, caudas sinuosas e cabeças detentoras de bocas famintas se projetavam numa mescla aterradora de almas perdidas em um único receptáculo. O velho não demonstrava surpresa perante a visão da criatura que serpenteava ao seu redor, o medo era inegável no que ele chamava de coração, mas ainda assim exalava uma confiança inabalável. O Caçador das trevas olhou diretamente para ele e fazendo uso da voz que há séculos não era ouvida nas terras mortais disse-lhe:
- Preparado para a passagem, humano?
- Perfeitamente, mestre!
O velho estendeu o braço direito e com uma lâmina virgem abriu um longo talho fazendo verter a essência rubra que circulava em suas veias. O caçador deixou, então, pender uma longa e áspera língua bifurcada, e com ela percorreu a pele manchada do homem, o sangue parou de gotejar enquanto o mortal sentia os músculos entorpecerem. O ser recolheu subitamente a língua, deixando escorrer uma gosma avermelhada.
- Não, humano! Não foi com esse pagamento que você me chamou!
- Como assim, mestre?
- O sangue, mortal, esse não é o sangue constante no livro!
- Obviamente que não, mestre. Esse é o sangue do sacrifício...
- Não, verme, não! O sangue do reclamante deveria preencher as lacunas, somente ele.
- Desculpe-me, mestre, eu, eu me enganei e...
- Basta, mortal, basta! Não temos muito tempo, o elo vai se fechar.
- O que devo fazer?
- Rápido, a lâmina, sacrifique-se em minha causa!
- Como? Não, mestre! Eu devo estar ao seu lado, não devo morrer...
- Depressa, humano, é o único jeito de permanecer aqui, é o único jeito!
- Não, mestre, não! Não posso me matar!
O homem largou a faca, empurrou a mesa e iniciou uma tentativa de fuga. O vento intensificou os açoites fazendo as folhas amadeiradas da janela dançarem perante a sua vontade. Era o indício de que o vórtice preparava-se para desaparecer.
- Não fuja, mortal! Não fuja!
O velho ignorava os apelos do Caçador, para ele matar não era uma tarefa complicada, mas atentar contra si próprio nunca fizera parte de seus planos. A agilidade com que descia os degraus não condizia com a idade que aparentava possuir. A urgência era um estímulo eficiente. Ao dobrar o corredor estaria apto para ganhar as ruas, e então lhe restaria torcer para que o elo se desfizesse. Durante alguns instantes parecia que conseguiria, mas a sorte é uma dama temperamental. Os fios alvos de sua cabeça foram agarrados e o couro cabeludo perfurado por alguns dos muitos ganchos afiados que enfeitavam os dedos do Caçador. Enquanto era arrastado escada acima, sentia como se um ácido começasse a percorrer o seu corpo. Doía, mas não era uma dor meramente física, era mais, sua alma parecia queimar. O desespero lhe dominou, pois sabia que aquilo seria só o começo.
O demônio posicionou o homem de forma que este permanecesse ereto e imóvel diante de si. Já não seria possível para ele, naquela ocasião, tornar este mundo uma extensão de seus domínios, mas, pelo menos, não voltaria faminto para o lugar de onde viera. Chegou bem próximo do velho, perto o bastante para fazer com que este sentisse a pele do rosto ser queimada pela fumaça que escapava das narinas da besta. O homem não ousava abrir os olhos, mas não faria diferença, logo ele se acostumaria a todas as sutilezas da horda, pois enquanto sentia sua carne ser provada pela voracidade do Caçador, enquanto tentava inutilmente lutar contra a língua animalesca que lhe drenava os órgãos e vísceras, enquanto seus ossos estavam sendo triturados por mil dentes, enquanto estava sendo devorado vivo, começava a sentir sua alma incorporando-se à estrutura daquele que o dominava. Logo ele seria mais um mesclado ao corpo do Caçador, e esperaria pacientemente para que alguém oferecesse a própria vida para trazer-lhes liberdade e alimento.

***********************************************************************

- Então é isso?
A pergunta do gerente de edição da revista pareceu-lhe debochada e maldosa.
- Sim, senhor Medeiros. Esse é o capítulo final.
- Esperamos longos sete dias por isso?
- Bom, se o senhor desejar posso refazer algum tópico ou...
- Não, não, não. Já não temos tempo. Fica assim mesmo, mas não garanto a renovação do contrato para o próximo período.
- Mas senhor Medeiros, eu fiz o melhor que pude...
- O seu melhor mostrou-se insuficiente para a revista.
- Ao menos o senhor poderia deixar o último cheque, então?
- Não me faça rir! Você está nos devendo. Esqueceu dos empréstimos? Só pode ser piada...
O executivo deixou o apartamento do escritor sem se despedir, na verdade, sem olhar para trás. O rapaz permaneceu calado, acompanhando apenas com os olhos marejados a silhueta esnobe se distanciar e desaparecer pelo corredor. Ele estava cansado, mas não se lamentaria novamente. Caminhou lentamente até a escrivaninha, abriu a gaveta e retirou alguns objetos, espalhou-os a fim de que pudesse admira-los por alguns instantes. Então começou a fazer o que mais gostava, mas não utilizava os teclados de um computador, não, valia-se de uma pena de prata e de si mesmo como tinta para isso. Algumas vezes a inspiração aparece de experiências próximas e palpáveis. As respostas surgiam fáceis como uma sucessão de palavras em cascata, e ao sentir que havia terminado, virou seus olhos para a janela na ânsia de vislumbrar a noite estrelada que começava a dar lugar para a cortina de nuvens pesadas e frias. O sangue escorria farto pela extensão do braço mutilado, as gotas formavam uma pequena poça sobre o desgastado piso cerâmico do chão. O vento soprava forte, logo o vórtice gelatinoso se formaria e a areia do tempo se espalharia de vez. Alcançou o canivete que havia separado e deixou escapar uma lágrima tímida. Então, posicionou a lâmina na pele macia do pescoço e com um golpe firme e preciso abriu uma longa e profunda fenda. Imediatamente caiu ajoelhado e sentiu a vida abandonar o seu corpo. Antes de fechar definitivamente os olhos ainda pôde notar uma figura conhecida surgir no vão da janela. O Caçador encontraria um novo mundo para explorar, e uma caça em especial o aguardava, sendo cuidadosamente recomendada através de um singelo bilhete no livro sobre a escrivaninha, escrito num dialeto desconhecido pelos homens, com o sangue oferecido de bom grado estava um nome: Edgar Medeiros.
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Mensagem por Afonso Seg 20 Jul 2009 - 13:54

Flavio, li o teu conto e gostei muito. Você criou muito bem o clima, principalmente no inicio, quando descreve a tempestade, a escuridão que assoma dentro e fora do cômodo, aonde o caçador será invocado. Enriqueceu visualmente a leitura com detalhes do interior do quarto e a mescla bizarra das entidades que formam o demônio. Ouso fazer apenas um senão! O fato de você criar todo aquele clima sinistro, a tempestade, os assassinatos, o diálogo entre o humano e o demônio, o equívoco, a fuga e finalmente a absorção implacável do personagem pelo "imbróglio demoníaco", tudo bem linear e crescente é show de bola. Não resta dúvida que está bem urdido a sequência das cenas. Respeito o teu recurso, é óbvio, de criar um outro clima, quebrando o primeiro e oferecendo um final mais aberto à imaginação, mas o fechamento da primeira parte ( de clima crescente, sem quebras ) me parece mais efetivo em termos de impactar o leitor. Por outro lado é uma opinião bem subjetiva e que não depõe em nada contra o conjunto do texto. Outros leitores com certeza preferirão do jeito que está! Parabéns, meu bom!
Very Happy
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Mensagem por Celly Borges Seg 20 Jul 2009 - 18:05

Flávio, o conto está ótimo, gostei bastante da passagem da história para a 'vida real', onde se tem a noção de tudo muito escuro, de repente tem a sensação de que está claro o ambiente.

Parabéns.
^.^
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Mensagem por Celly Borges Seg 20 Jul 2009 - 22:40

O contador


Aquele homem com roupas surradas e a face desgastada, talvez pelo trabalho a qual fora incumbido, já não esperava mais pelo fim de um dia, o início da noite, dali não se podia saber e nem se importava, afinal estava preso.

Nem ao menos tinha uma casa, uma família. Um filho que viesse lhe receber depois do expediente, uma esposa amorosa. Nada. Agora só desejava mesmo era uma cama confortável, mas tudo o que tinha era a cadeira que o acompanhava há anos.

Sua desdita era tamanha que ficou preso naquele lugar desolado, tanto quanto sua vida fora até aquele dia, e também depois, quando aceitou, sem saber, aquele infeliz trabalho.



Naquela manhã, recebera uma estranha visita. Um homem muito alto, e elegante, vestido com roupas negras, seus olhos eram no mesmo tom e vazios. A figura estendeu a mão direita ao homem que abrira a porta, e sem dizer palavra, a partir daquele momento, quando a mão foi apertada, tinham um trato.

De repente tudo escureceu, mas aquela figura estava iluminada e sorria. O homem teve a sensação de que caiam.

O que fizera ele?

Somente quando desceram no meio de um salão com paredes de barro que eram uma afronta ao belo chão de mármore escuro, que a figura começou a falar, de forma calma.

– A oportunidade lhe foi dada, e você aceitou.

No minuto seguinte a figura não estava mais ali. O homem, sem entender, e com muito medo, olhava para todos os lados, quando viu um ser desfigurado, absurdamente velho e sofrido, entrar na sala, e ir a sua direção. Convidou com um aceno de mão a entrar em outra sala.

– Você vai trabalhar aqui – disse com uma voz rouca como se há muito não fosse usada.

Ele conduziu o homem à escrivaninha e o fez sentar.

– Pegue a caneta, rápido!

Ele pegou

– Escreva seu nome – entregou um livro em branco, novo.

Ele escreveu.

O ser desfigurado riu, gargalhou alto. O homem se assustou e observou quando o estranho saiu, ainda rindo e fechou a porta.

Pela janela, almas começaram a entrar e sobrevoar a sala, como se esperassem algo. Eram muitas almas, cada vez mais, tomando todo o espaço. Entrementes, o ser desfigurado voltou.

– Você aceitou o trabalho, agora comece a anotar cada alma que passa por aqui. Meu tempo se encerrou, vou para casa. PARA CASA!!! – disse como se estivesse enlouquecido. Retirou-se.

O homem, ali parado, começou a anotar, uma por uma, todas as almas que por ali entravam e somente assim elas seguiam seus caminhos. Num certo momento, a alma do ser desfigurado passou por ali, e também foi contabilizada.



E assim, durante décadas e milhões de livros, precisava de um substituto.

Na Terra estivera morto em vida e o mesmo acontecia no Inferno.

Mas ainda teria muitos anos pela frente até se tornar tão deformado quanto aquele ser a quem substituiu.

Porém, nem um só dia deixava de clamar aos céus por piedade.


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Mensagem por Flávio de Souza Seg 20 Jul 2009 - 23:40

Celly, o texto ficou ótimo, adorei! Ele consegue nos transmitir a angústia desesperadora motivada pela repetição sem fim, tanto no mundo real e vivo, quanto na árdua tarefa de coordenar os atormentados. Fascinante!
Parabéns!
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Mensagem por Tânia Souza Seg 20 Jul 2009 - 23:54

São dois contos excelentes para ler e apreciar, parabéns aos nossos primeiros participantes.


Flávio, o seu conto é impressionante, digo porque primeiro nos leva ao mais nefasto ambiente de pactos, sangue, monstruosidade. Mas não era "real", era literatura... a respiração se acalma, parece tudo normal. De repente o sombrio e o fantástico retornam com intensidade nesta narrativa conduzida com maestria, valeu!


E no conto da Celly, a rapidez dos acontecimentos é vertiginosa, assombra. De um aperto de mãos, um destino é selado e não há nada que se possa fazer, além da narrativa cortante que não deixa o clima de medo e angústia se perder, o fantástico trágico se destaca, parabéns muchacha, gostei muito!
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Mensagem por Celly Borges Ter 21 Jul 2009 - 1:35

Flávio e Tânia, obrigada pelos comentários!

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Mensagem por Flávio de Souza Ter 21 Jul 2009 - 9:31

Afonso, Celly, Tânia, obrigado pelos comentários!

Abração,

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Mensagem por Victor Ter 21 Jul 2009 - 9:38

Flávio, meu amigo, quem conhece seus trabalhos, publicados no RL, não poderia esperar outra coisa. Um texto sombrio que segue à risca as principais características do conto: rapidez de ação, concentração de tempo e espaço, e a exclusão de incidentes laterais. Muito bom!

Celly, as mesmas considerações sobre o seu trabalho. Uma belíssima tradução daquilo que a imagem está tentando nos dizer. Parabéns.
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Mensagem por Flávio de Souza Ter 21 Jul 2009 - 10:13

Valeu, Victor!
Obrigadão, meu amigo!
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Mensagem por Lino França Jr. Ter 21 Jul 2009 - 10:52

Flávio e Celly, os contos estão excelentes. Parabéns aos dois.
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Mensagem por Victor Ter 21 Jul 2009 - 11:06

Ao par


Outros tempos. Sim, é possível considerar tal afirmação, dada o teor sibilino e, de certa forma, nostálgico, da missiva em meu poder. Páginas e páginas de um argumento veraz, apesar do fantástico conteúdo. Como o sei? Bem, diria que minha vetusta condição fornece a garantia necessária. Os papeis de passado mais remoto ainda, com vestígios de uma era abismal, chancelam seu vertiginoso tirocínio. E quanto a eles? Bem, eles ficam ali observando laboriosamente minhas considerações, e corroboram, também, com a afirmação. Vizinhos dos pensamentos que me escapam, estas elucubrações aquiescendo a exstante vontade que os norteia. Um exército impertérrito, latente aos olhos anestesiados dos que bebem da necedade do presente. Inquilinos na minha abóboda opaca, e que mergulham em tácita disposição nas sombras da alma. A nostalgia que me assalta chega a obsedar a lânguida claridade que emana do velhentado pedaço de cera ao meu lado. Mas, existe impreterível vênia à sua tarefa, então, ela estará perenemente ali, em companhia tempestiva. Foi delegado, a mim, reescrever algumas passagens da teleologia tempestuosa em minhas mãos, uma vez que existe, em dias hodiernos, um exagero de virtudes que moderam apetites e paixões, condições ineludíveis ao jugo lúrido que cresce, prospera, no fusco espírito dos homens. O esmero aplicado em minha tarefa alimenta-os, numa espécie de garantia do sucesso a espargir suas intenções biliosas que, ao final, se tudo der certo, irão constranger todo e qualquer alvedrio, por mais obstinada que seja a resistência. A fome (por todo tipo de matéria e manifestação) a opugna-los faz-se, sempre, premente. O provecto de minha situação ensinou-me que o desejo veemente destes pulula em esferas capazes que quebrantar a mais renitente das criaturas. Diria ser tal retentiva minha, o ensejo perfeito aos escritos nos quais estou empregado. Pois, de toda a ubíqua verdade, que muitos insistem em negar, a mais impassível e fria é a sempiterna existência destas linhas e de seu lancinante séquito. Ah, esqueci-me. E de seu fadado escriba.
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Mensagem por Poleto Ter 21 Jul 2009 - 11:42

Pelo visto, a cada exercício a quallidade aumenta.

Flávio brindou-nos com um excelente conto, rápido, surpreendente e angustiante.
Celly, como sempre, com um conto que corre à velocidade da luz e transforma o cérebro em gelatina sem que possamos perceber.
E o Victor, com aquele estilo cássico e rebuscado, nos apresenta quase que uma fábula. Fantástica (sem trocadilhos).
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Mensagem por Flávio de Souza Ter 21 Jul 2009 - 14:33

Meu amigo Victor!
Obviamente você sabe que sou suspeito quando o assunto é comentar sobre seu trabalho, pois há muito sou um fiel seguidor de suas linhas únicas. Mais uma vez você nos deu uma prova do talento raro que possui ao manipular com habilidade as possibilidades da norma culta. Como o Poleto disse, seu conto chega a ser comparado a uma fábula. Fabuloso, mais uma vez, também sem trocadilhos...
Um abraço,
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Mensagem por Flávio de Souza Ter 21 Jul 2009 - 14:34

Poleto, obrigado pelo comentário!
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Mensagem por Henry Evaristo Ter 21 Jul 2009 - 14:35

Em fim consegui fazer alguma coisa pra poder participar de nosso exercício. Fiz diretamente aqui pois ainda estou sem word. Espero que não tenha ficado ruim demais.
___________________________________________________


EU REUNO AS FORÇAS DOS ABISMOS!




Na minha última noite sobre esta terra logrei reunir-me com meus conselheiros subterrâneos. Alguns vieram em carruagens de luz que deixaram estacionadas do lado de fora de meu decrépito solar, no céu negro de tempestade, como navios ancorados nas nuvens! Uns vieram em asas, onde traziam ainda outros presos como apêndices supurados.

Depois entraram pela janela, sem cerimônia. Não eram formosos, de uma maneira que pudesse agradar aos olhos de qualquer mortal. Mas suas presenças, ali diante de mim, estupefato, representavam tudo que poderia haver de mais belo no universo. A maneira como se locomoviam por meu quarto de escrever, se arrastando sobre as paredes em hordas como sangue-sugas intumescidas e amontoadas, e até largando sobre os móveis um limo esverdeado e mau-cheiroso, era mesmo arrasadora. Alguém menos versado nos caminhos da ciência teria enlouquecido no momento. Mas eu, que com eles convivera por toda minha vida, limitei-me a descrever em meus cadernos de manuscritos tudo o que faziam. E sorria quando se aproximavam no escuro e roçavam suas peles molhadas em mim! Posso mesmo admitir que experimentava algum tipo de prazer extremo e infernal...

Depois eles se acalmaram. Se sentaram onde podiam, pelas estantes e balaustradas, pousados como espectros alados, pelas bancadas, cadeiras e estantes de minha paupérrima biblioteca. E ficaram por ali, suspirando, dando gargalhadas aqui e acolá, e revirando os olhos. Às vezes sopravam em meus ouvidos suas opiniões escabrosas a respeito de nosso mundo, e eu podia sentir meus pelos se eriçarem ante as possibilidades por eles propostas.

Ficamos todos no recinto, como se nos estudassemos, mesmo após tantos anos de parceria. Aquele, no entanto, era um momento especial. Era a noite em eles vieram atender minhas necessidades, concedendo-me um reconhecimento por meus serviços prestados. Creio que foi Gargalon(1) que olhou pela janela, para as sombras que vagavam pelas ruas, e apontou orgulhoso a igreja negra que erigi em seu nome. Outro, desta feita Metraton(2), com seus muitos olhos, observou minha coleção de compêndios ocultos e sorriu orgulhoso. E o som que produziu estilhaçou todas as minhas taças de cristal.

Depois, ouvi uma intensa risadagem que vinha do subsolo da casa. Eram três de meus amigos que se divertiam com os rituais que encontraram por lá. Descontraídos, Mormo(2), Naamah(2) e Adramelech(2) fluiam por entre os corpos de meus sacrifícios e creio que se entretiveram com alguns pois pude ouvi-los estalar na escuridão do porão.

Depois de muito tempo, e quando eu já havia escrito tudo o que poderia haver para escrever, um outro amigo se aproximou de minha casa. Todos já esperavam sua presença e até reclamavam de sua demora. Augusto como a água mais límpida, adentrou minha biblioteca o honrado irmão Sammael(2)e trazia com ele, pendurado em um de seus peitos, o diabo Abaddon!(2)

Ai que alegria! Agora poderiamos dar continuidade a tudo! Ergui-me, pois, altivo como se eu mesmo fosse um deles. E apontei para a janela. Moloch(2) se acercou de mim, e me olhava com um certo escárnio. Me tocou na fronte, e sobre minha testa imprimiu um estigma. No mesmo instante, vi surgir nas nádegas de Astaroth(2) o nome de minha alma e ele era: SOBERBA.

Foi então que muitos vieram, brotando de todos os cantos mais escuros da casa, e me conduziram à sacada. Lá fora a noite pétrea grassava pelas esquinas do mundo e nuvens negras se reuniam num céu de pesadelos. Olhei para o horizonte e vi quando milhões de naves incandescentes brotaram de lá. Como um bando de insetos malignos, enxamearam por todos os lados e tomaram toda a abóbada celeste. Extinguiram-se todas as luzes da terra, e o mundo mergulhou nas mais profundas trevas do caos.

De minha sacada eu testemunhei o destino do homem ouvindo a gritaria das mulheres e das crianças, e todo aquele que lamentava, em todas as partes da terra, eu o ouvia em minha cabeça como se a própria trompa de Heimdall(3) é que soasse por entre minhas entranhas!

Sammael se aproximou. Veio de dentro de minha casa e pousou suas garras sobre meus ombros. Olhamos juntos para o céu e depois para o horizonte. E vimos a terra toda, ao mesmo tempo, pois tinhamos o poder. O Veneno de Deus(4) então me olhou nos olhos e queria que eu llhe falasse. Assim o fiz:

"Eis!" Disse eu e minhas palavras soaram como que amplificadas por algum sortilégio maravilhoso. Continuei: "Eis que vos entrego este universo de dores e escravidões em escâmbio por vosso reino no tártaro!". Dito isso ergui meus braços para o céu vendo surgir em minhas mãos duas bolas de fogo incandescentes. Ao meu ato todos os diabos me reverenciaram e saltaram para fora da casa, emanando dali como matilhas de coisas proscritas tomando todo o ar e todo o espaço da terra.

Vi então as massas comovidas se precipitando em abismos de desespero ante aquilo que viam se anunciando no céu. E de todos os rincões das matas mais distantes, vi saltarem as colunas de demônios, como hordas ígneas de morcegos gigantescos, que eu trouxera.

E foi assim que os diabos subiram para vosso mundo.

E foi assim que desci aos infernos que até hoje domino.


____________________________________________________________________


1 - Demônio criado para este conto.

2 - Demônios da demonologia universal.

3 - Heimdall é um deus da mitologia nórdica que se anuncia tocando uma trompa gigantesca.

4 - O significado da palavra Sammael na cultura hebraica.



Última edição por Henry Evaristo em Qua 22 Jul 2009 - 0:20, editado 7 vez(es)
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2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS Empty Re: 2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS

Mensagem por Lino França Jr. Ter 21 Jul 2009 - 15:33

Henry, como sempre, preciso em nos transportar para universos escuros e amaldiçoados. Excelente !!!
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2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS Empty Re: 2º EXERCÍCIO DE ELABORAÇÃO DE CONTOS À PARTIR DE IMAGENS

Mensagem por Lino França Jr. Ter 21 Jul 2009 - 15:35

Bom, postar meu conto depois de um conto do Henry é sacanagem, mas aí vai...



CONTRIÇÃO TARDIA




Voltou para o pequeno casebre onde passara os últimos malfadados meses. As intermináveis dívidas acumuladas em anos de gastanças e superficialidades lhe tiraram toda a fortuna herdada dos pais.
Tomado pelos efeitos do álcool, decidiu que não havia mais saída para sua situação. A desesperança invadiu sua alma, a ponto de lhe fazer idealizar a própria morte, como solução para todos os males que o atormentavam.
Aturdido, ainda pelo domínio da bebida no sangue, decretou que findaria com sua burlesca vida sem perspectivas.
Procurou sua velha garrucha de cabo de madeira no armário carcomido pelos cupins, em seu precário quarto revirado por roupas sujas, garrafas vazias, e uma coleção de famílias de baratas, ratos e pequenas aranhas.
A antiga arma de dois canos estava lá, abandonada em meio às teias de aranha no canto de uma gaveta imunda.
Esticou a mão para agarrar o instrumento, mas, entorpecido pelo vinho barato que tolhia os movimentos, perdeu o equilíbrio e caiu sentado no chão de forma grotesca. Riu da própria desgraça. A cena ridícula lhe dava ainda mais certeza do ato que queria realizar.
Levantou-se e conferiu que a garrucha estava devidamente carregada. Puxou a maltratada cadeira de carvalho no canto do quarto ao lado da janela. Com dificuldade, acendeu o que restara de uma vela derretida em cima de uma mesa. Pegou papel, pena e tinta com o propósito de deixar escrita a justificativa pela qual lhe assaltaria a própria vida infeliz.
Começou com rabiscos indefinidos, daquilo que deveriam ser palavras, mas aos poucos, conseguiu dar sentido a algumas frases. A cada ponto final, olhava para a garrucha que repousava sobre a mesa, e que estranhamente, começava a adquirir um brilho fantasmagórico. O vento começou a soprar com mais força do lado de fora, e pela janela aberta, ameaçava apagar a vela, que bruxuleava sua luz nas paredes manchadas. Conforme preenchia o papel, sentia que o ar dentro do pequeno cômodo começava a ficar denso, e assumia um cheiro de mofo, de coisas antigas e abandonadas. Começou a ouvir murmúrios e lamentações. Não conseguia reconhecer se eram vozes masculinas ou femininas, apenas que apesar de baixas, estavam cada vez mais perto de seu ouvido. Não era capaz de entender o que diziam; o que reclamavam, mas certamente, não era algo agradável. Sentiu medo.
Com o temor, começou a aguçar os sentidos, e os efeitos do álcool começaram lentamente a se dissipar em seu organismo. Levantou-se e tomou a garrucha nas mãos. Abriu a porta do velho armário de madeira e a recolocou na mesma gaveta. Porém, ao virar-se com o intuito de voltar à sua cadeira, percebeu sem entender, que a arma misteriosamente havia voltado para o lugar onde estivera repousando em cima da mesa.
O vento cortava a noite lá fora, e a chama da vela continuava a dançar com a corrente gelada que entrava pela janela. Sentou-se novamente na cadeira, e as primeiras gotas frias de suor desceram pelas têmporas. Tomou a carta nas mãos e amassou a folha, jogando-a no chão. A luz da vela se apagou.
Com os músculos retesados de pavor, buscou acender o toco de vela em cima da mesa, e ao fazê-lo, surpreendeu-se ao notar a carta límpida e em ordem no mesmo lugar.
Num ato desesperado, empurrou mesa, cadeira e os demais objetos, derrubando-os no chão com estrondo. A vela ameaçou apagar-se, mas mesmo com a chama enfraquecida pela queda, recuperou a parva luminescência.
Trêmulo, o homem alcançou o enferrujado castiçal e o ergueu. Foi então que se deparou com as aterradoras imagens.
Demônios dípteros, negros, em forma de serpentes, com longas caudas, de duas cabeças, escamosos, com bocarras cheias de dentes afiados, vertendo no ambiente seu hálito pútrido que impregnava o lugar.
O homem sentiu o ar lhe faltar nos pulmões. Entendeu que em sua desesperada intenção, havia atiçado os demônios que ansiavam por mais uma alma humana.
Ainda no chão, observou que segurava com firmeza a velha garrucha que brilhava diante do escasso fulgor da vela.


Última edição por Lino França Jr. em Ter 21 Jul 2009 - 21:19, editado 1 vez(es)
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Mensagem por Celly Borges Ter 21 Jul 2009 - 19:46

Victor, gostei do seu conto e suas palavras.

Henry, como sempre um grande escritor, com ótimas ideias, e o conto é incrível!

Lino, adorei seu conto, que passa o desespero de sempre ter em mãos a morte!

Meninos, parabéns!
alien
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Mensagem por Tânia Souza Ter 21 Jul 2009 - 21:48

Lord Henry, caramba, conto assustador, principalmente quando descreve o insano momento em que os demônios invadem o local, um misto de asco e pavor envolve o leitor, mas acho que o que mais me chamou a atenção foi a frieza do personagem, parabéns!

Lino, um clima de insanidade e angústia permeia o conto, os objetos aparentemente perseguem o personagem e o golpe final na sanidade foi a carta estar ali, de volta ao lugar, até que finalmente as velas iluminaram quem realmente o atormentava, valeu!!!!

Victor, nobre Victor, que dizer deste conto quase metalinguístico, quando acima de tudo a palavra, a mística e astuta palavra é a razão de tudo, secretamente articulada entre um escriba maldito e um séquito infernal. Parabéns!!!!!


Parabéns muchachos!!!! ^^
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Mensagem por Poleto Ter 21 Jul 2009 - 21:51

Parece que, felizmente, nestes dias, fui acometido por um feliz acesso de criatividade.
Escrevi o conto para este exercício nos últimos 30 minutos. Algo inédito para mim...


A canção de Leonildo


Para Leonardo Nunes Nunes.


Existem mais coisas entre o céu o a terra, Horacio, do que sonha a nossa filosofia. Shakespeare, seu filho da puta; entra neste grupo também Hamlet por ter dito esta maldita frase. Eu teria vivido muito bem sem levar este famoso trecho em consideração, sem ao menos saber que ele existia. Mas existe, e eu e meu velho amigo Leonildo sabemos muito bem disso. Se estivesse vivo, Leonildo estaria esbravejando da mesma forma que eu.

Conhecia Leonildo desde pequeno, crescemos juntos, estudamos juntos, e até fomos para a faculdade juntos, embora tenhamos feito cursos diferentes. Depois da faculdade, nossas vidas também seguiram rumos diferentes, mas sempre mantivemos contato. Leonildo sempre foi mais inteligente, e mais criativo; assim, não foi surpresa alguma quando ele tornou-se escritor profissional.
Quando começou, foi de forma despretensiosa, escrevendo contos e publicando-os na internet. Seguiu assim por alguns anos até que seu primeiro romance foi publicado. Foi do anonimato ao estrelato em apenas alguns anos. Era um poucos escritores que conseguia manter a média de um livro por ano, todos sempre liderando as listas de mais vendidos – o que era uma surpresa, levando-se em conta que Leonildo escrevia, pasmem, livros de terror. Este fato também contribuiu para aumentar a sua notoriedade.

Mesmo com toda a fama conquistada, Leonildo não era adepto dos holofotes. Procurou manter o jeito reservado de sempre. Ao menos uma vez por mês nos encontrávamos, como nos velhos tempos, para atualizar os assuntos e jogar conversa fora. Nunca perdemos este hábito.

Depois do seu quinto livro publicado, Leonildo começou a ficar estranho. Não mais nos encontrávamos durante os quatro primeiros meses do ano, período em que ele estava trabalhando em um novo livro. Embora antes isso não o afastasse de mim antes, neste espaço de tempo era como se Leonildo não existisse – era simplesmente impossível encontrá-lo! Somente quando finalmente entregava os originais para a editora é que os encontros voltavam à velha rotina. Eu podia perceber que além de sua aparência física desgastada – o que eu supus ser por conta do ritmo de trabalho –, em nossas conversas ele mostrava-se assustado, algumas vezes disperso. Eu poderia até dizer que algumas vezes ele parecia distante e paranóico. Um dia, em uma de nossas conversas, ele sentenciou-me algo que parece estranho, surreal, e fruto e uma mente perturbada, que provavelmente já não distinguia mais o real da porcaria que ele escrevia. Ele disse:
– Preciso parar de escrever. Eu quero parar de escrever, mas eles não me deixam. Da última vez que tentei, fiquei desmaiado por dois dias no meu quarto. Quando acordei, fui direto para a minha mesa e escrevi sem parar, até terminar o romance. Não quero que eles me peguem novamente.
– Não estou entendendo o que você quer dizer. Quem são eles? – perguntei.
– Você não iria entender, ninguém iria entender. Todos pensam que eu escrevo aqueles livros, mas na verdade, apenas transcrevo aquilo que eles me pedem. Começou de forma inocente, mas agora, tornei-me escravo deles. Eles não me deixam parar.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, a conversa foi encerrada. Os olhos do meu velho amigo jorravam cansaço e tristeza. Passei uma semana amargurado por ele.

No verão seguinte, durante o sumiço habitual de Leonildo, fui procurá-lo em sua casa, ignorando os pedidos que ele sempre fazia questão de reforçar quando chegava esta época. Eu estava realmente preocupado com a saúde de meu amigo, além de ter ficado intrigado com a estranha conversa que tivemos semanas antes. Entrei em sua casa sem ao menos bater à porta. Para não correr o risco de ser pego e mal interpretado, fui à noite. Ao entrar na escura sala, enquanto esperava meus olhos adaptarem-se à escuridão, fui surpreendido por uma estranha música; uma mistura de dança húngara com a tristeza que assombra algumas obras de Beethoven. Devo confessar, neste momento, que quase fiquei hipnotizado pela música.

Recuperado do quase transe, dirigi-me ao quarto aonde eu sabia que Leonildo estaria escrevendo. A porta estava aberta, e uma estranha luz violeta saía de dentro do aposento. A música que eu ouvi na sala estava agora em alto volume. Aproximei-me em passos leves, tomando cuidado para não chamar qualquer atenção. Quando cheguei à porta, fui tomado pelo pavor ao ver meu velho e pobre amigo sentado em sua cadeira, digitando alucinadamente no teclado. O ritmo lembrava mais um pianista executando uma obra de Chopin do que um escritor que trabalha as palavras. O mais estranho, se é que isso é possível, não era a velocidade com a qual ele digitava, e sim a sua cabeça, que dançava acompanhando a nefasta música, pendendo para esquerda, direita. Olhar o fundo de seus olhos foi o maior erro que cometi em minha vida. Ao invés de um olho comum, com íris, retina, todo o que havia era uma imensidão azul-esverdeada que parecia mudar de cor acompanhado os graves da música.

Por um tempo, minha presença não foi notada, mas logo ele me viu – ou me ouviu, pois duvido que aqueles olhos fossem capazes de ver qualquer coisa – me chamou, implorando por socorro. Sua voz emanava desespero, um pedido de um moribundo, eu diria. Ao entrar no quarto, senti uma estranha presença, mas não era capaz de ver nada. Senti alguma coisa roçando em minhas pernas, braços, e eventualmente, em minha barriga. Tomado pelo medo, aproximei-me de meu amigo na esperança de tirá-lo dali. Foi inútil, ele parecia pesar toneladas, e seus dedos pareciam magneticamente atraídos para o teclado. Cheguei perto de seu rosto ao vê-lo balbuciando algumas palavras:
– Na minha gaveta... por favor... isso precisa parar...
Abri a gaveta e encontrei um revólver, carregado. Olhei para ele, que suava e tinha sua pele definhada. Eu não tinha certeza do que fazer, mas aqueles olhos, por um momento, pareceram suplicar a ajuda que o libertaria. Não pensei duas vezes – e hoje me pergunto se tomei a decisão correta – e disparei contra sua cabeça. Sangue e miolos atravessaram a parede na mesma hora em que ouvi um grito que torceu a espinha e fez meu cérebro rodopiar duas vezes. A música cessou, e meu amigo, estranhamente, tinha um enorme sorriso em seu rosto.

Hoje, sete anos após este bizarro incidente, ainda ouço aquela estranha música à noite, enquanto meu quarto assume uma estranha coloração violeta. Tenho escrito, algo que jamais imaginei fazer em toda a minha vida, e estou perto de assinar um contrato de publicação com uma grande editora. Não saio mais de casa – não por vontade própria, as portas e janelas, simplesmente, não abrem. A arma usada para libertar Leonildo, que eu tinha certeza que estava comigo, misteriosamente sumiu. Ao contrário de Leonildo, porém, eu não tenho ninguém que possa me visitar enquanto eu estiver escrevendo.
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Mensagem por Flávio de Souza Ter 21 Jul 2009 - 23:27

Henry, conto espantoso e selvagem. Ninguém interpreta esse universo infernal de forma tão convincente e prática quanto você, sinto como se os demônios estivessem ali do lado de fora da janela. Excelente, como sempre!

Lino, sensibilizei-me com o desespero da personagem, a angústia que assola o homem deixando-o a beira da loucura e à disposição das criaturas é apavorante. Show!

Poleto, trama muito bem bolada, captou com perfeição a imagem sugerida. Os demônios rondando a cabeça da personagem foi uma sacada genial e muito bem representada com linhas coerentes e gostosas de ler. Perfeito!

Todos estão de parabéns pelo poder de interpretação e criatividade.

Abraços, Flávio.
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Mensagem por Celly Borges Ter 21 Jul 2009 - 23:48

Luiz, seu conto está incrível! Ainda mais por saber que foi tão rápido que conseguiu compor A canção!

Bacana esse exercício, para ver cada visão de uma única imagem! E todos os contos estão ótimos! E voltamos a escrever, alguns de nós - inclusive eu - fazia tempo que não escrevia nada!

Parabéns a todos! alien
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Mensagem por Victor Qua 22 Jul 2009 - 9:09

Henry, lembrei-me de Frotunato, a personagem de Machado em "A causa secreta", um dos contos mais perturbadores que já pude ler, dada sua natureza torpe. A sua personagem parece flertar com as mesmas "alegrias". Um conto repleto de qualidade imaginativa, com a peculiaridade dos mestres.

Lino, fez algo impressionante com a imagem. Atormentador! Grande idéia!

Luiiz, foram trinta minutos de pura magia entenebrecedora! Parabéns!!

Agora, sabem o que me deixa puto? Ter contato com gente tão extremamente talentosa como vcs, publicando apenas na rede, enquanto existe uma torrente de porcarias sendo publicadas pelas editoras! Fala sério!
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